Se você perguntar para alguém que come carne se essa pessoa acha que peixe é carne, ela provavelmente vai dizer que não. 

Inclusive, é muito comum os lugares oferecerem opções com peixe para veganos e vegetarianos quando eles dizem que não comem carne.

Mas por que isso?

Por que tanta gente no mundo não pensa em peixe como carne?

Por causa da religião.

Na Suma Teológica, São Tomás de Aquino fala sobre o jejum como um ato de virtude, como forma de refrear a lascívia da carne no que diz respeito aos prazeres do toque em conexão com comida e sexo. Portanto, a Igreja proibiu aqueles que jejuam de compartilharem tanto dos alimentos que oferecem grande prazer para o paladar quanto grande estímulo à luxúria. São tais a carne de animais que descansam sobre a terra e aqueles que respiram o ar e seus produtos, como leite daqueles que andam sobre a terra o ovos de aves. Uma vez que tais animais são semelhantes ao Homem em corpo, eles oferecem maior prazer como alimento e maior nutrição para o corpo humano, seu consumo resulta em um excesso disponível para matéria seminal, a qual, quando abundante, torna-se um grande incentivo à luxúria.

A interpretação é clara e criou-se a tradição de não classificar peixes como um tipo de carne. A razão? Eles não são animais terrestres e não respiram ar.

Não faz diferença o fato de as pessoas não estarem a par desta aula de história. 

Peixadas e outras tradições se estabeleceram de geração em geração, acidentalmente classificando um ser senciente que vive e respira como “outro” animal, que “não é carne de verdade”.

Inventando uma Categoria para Fazer os Peixes não Parecerem Animais

Ao fazer isso, tem-se até uma categoria de alimentação chamada pescetarianos. Pescetarianos abrem exceção para comer peixe (e, normalmente, mariscos), mas não carne de outros animais.  

Nem parece estranho ler  “pescetariano”, de tão comum que é. Mas imagine se houvesse  “vacatarianos” ou “porcotarianos”.

Seria meio hipócrita alguém comer só carne de  porco ou de vaca, mas de nenhum outro animal. Não faria sentido.

Mas nos 750 anos desde que São Tomás de Aquino acabou por influenciar as pessoas a não considerarem peixes animais dignos para se evitar durante um jejum, a humanidade passou a ignorar a senciência deles no processo.

E por que isso importa?

O Consumo de Peixe só Cresce

Os dados no gráfico abaixo são estarrecedores:

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Ele mostra, em toneladas, a quantidade de peixes produzidos só no Brasil. Desde 1995, o número de peixes cultivados em cativeiros de pesca explodiu, passando de 46 mil toneladas em 1995 para 575 mil toneladas em 2015. Apesar de não ter estatísticas atualizadas, é provável que este número continue aumentando.

Desde 2005, o consumo per capita de peixes no país também aumentou de 6 para 10Kg. Provavelmente, isso se dá pelo fato de as pessoas se preocuparem mais com a saúde e a sustentabilidade, em relação ao meio ambiente.

Ainda, de acordo com um relatório da Food and Agriculture Organization of The United Nations (FAO), o setor de pesca e aquicultura expandiu-se significativamente nas últimas décadas e a produção, comércio e consumo totais alcançaram um recorde em 2018. O aumento no consumo total de peixes alimentares de 1990 a 2018 foi de 122% e no mesmo período, a produção global de aquicultura aumentou 527% em todo o mundo.

Considerando a população mundial, o consumo per capita de pescado pela população chegou a 20,5 kg/pessoa/ano em 2018. Segundo a FAO, desde 2014 não há estatística pesqueira oficial atualizada no Brasil e os dados são obtidos por levantamentos realizados pela instituição e seus parceiros.

Mas o quão sustentável é a aquacultura?

Antes de entrar nesse assunto, vamos ter uma visão geral da aquacultura.

O que é piscicultura?

Piscicultura é a prática industrial de produzir e criar peixes em escala comercial, para serem vendidos como alimento. 

Peixes cultivados costumam ser criados em tanques grandes, cercados industriais, jaulas marinhas, redes ou pequenos lagos para produzir grandes quantidades de peixe em curtos períodos de tempo.

Um estudo produzido pelo Banco Mundial, pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e pelo Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar (IFPRI) previu que, aproximadamente em 2030, dois terços do fornecimento mundial de peixes vai vir da piscicultura.

Embora muitas pessoas na indústria da pesca digam que a piscicultura existe por motivos de sustentabilidade e para não sobrecarregar o ecossistema marinho dos oceanos, tem muito mais aí do que os olhos podem ver. 

São necessários por volta de dois quilos e meio de pequenos peixes do oceano para alimentar os peixes criados para produzir apenas meio quilo de carne de salmão ou robalo, dois dos peixes mais comuns nos criadouros. Os métodos usados para capturar esses peixes selvagens que se tornam comida para os outros peixes são aterrorizantes. O arrastão é um método perigoso de pesca industrial que literalmente arrasta tudo que aparece na frente da rede.

Peixes de Cativeiro Não São Saudáveis, ao Contrário do que se Acredita 

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As semelhanças entre a “qualidade” do animal criado em cativeiro e daqueles criados naturalmente são assustadoramente parecidas com as de animais de fazenda como vacas, porcos e galinhas.

No fim das contas, as empresas responsáveis pela criação desses animais só se importam com os lucros. Quando o faturamento está em jogo, muita coisa é feita para tornar o negócio mais eficiente e rentável. 

Os atalhos tomados e as práticas implementadas podem gerar muitos prejuízos a longo prazo para a obtenção de ganhos a curto prazo.

Riscos à Saúde dos Peixes de Cativeiro

Existem muitas razões pelas quais os peixes de cativeiro são menos saudáveis do que os peixes selvagens. Embora os criadores possam argumentar que as seguintes práticas se dão para o bem-estar dos peixes, a verdade é que eles não querem ter seus lucros ameaçados.

Antibióticos

Como animais de criação intensiva, peixes de cativeiro recebem grandes quantidades de antibiótico. Embora se argumente que isso seja feito com boas intenções, a realidade é mais sombria. 

As condições nas quais os peixes são criados nos cativeiros são tão apertadas que, se um peixe adoecer, é possível que a doença se espalhe para inúmeros outros peixes. 

Embora seja preferível pensar que os fazendeiros não querem que os peixes adoeçam, o problema de se consumir antibióticos em excesso é bem óbvio. Os peixes podem se tornar resistentes aos antibióticos, o que pode tornar mais difícil tratar as doenças. 

O que é mais assustador é o potencial para os humanos desenvolverem resistência a antibióticos também. Quando humanos estão sempre consumindo antibióticos através da comida que eles comem, podem desenvolver uma resistência que os prejudica a longo prazo se precisarem tomar determinado antibiótico para tratar uma doença.

O Dr. Danilo Lo Fo Wong, diretor do Programa de Controle de Resistência Antimicrobiana da Organização Mundial da Saúde diz que “O abuso de antibióticos—na criação de animais ou para o tratamento médico humano—acelera o desenvolvimento da resistência, que ocorre quando as bactérias sofrem mutações e se tornam resistentes aos antibióticos usados para tratar as infecções que elas causam. Isso prejudica nossa capacidade de tratar doenças infecciosas e freia diversos avanços na medicina.”

Agrotóxicos

Segundo o Environmental Working Group, “sete em cada dez salmões de cativeiro comprados em mercados em Washington DC, São Francisco e Portland, Oregon, foram contaminados com bifenilos policlorados (BPCs) em níveis preocupantes para a saúde.”

BPCs causam câncer em animais e são, provavelmente, carcinógenos humanos, e sua produção foi vedada pelo governo dos Estados Unidos em 1978, depois que se descobriu o quão tóxica a substância de fato é. 

Muitos estudos mostram que o BPC está muito presente na comida dada aos peixes de cativeiro. O mais irônico? A maior parte dos peixes que compões essa comida também é criado em cativeiros ao redor do mundo.

Substâncias Tóxicas em Peixes de Cativeiro

Entre as outras substâncias alarmantes que se costuma encontrar em peixes de cativeiro estão dibutilestanho, Éter Difenílico Polibromado (EDPB), e dioxinas

O dibutilestanho, comumente utilizado na produção de plástico PVC, pode aumentar os riscos de pré-diabetes e obesidade se consumido por humanos.

O consumo de EDPB por humanos pode alterar a homeostase de hormônios da tireoide e causar disfunções na glândula. Isso pode levar ao desenvolvimento de câncer de tireoide. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o consumo de dioxinas pode causar problemas reprodutivos e de desenvolvimento, prejudicar o sistema imunológico, interferir nos hormônios e também causar câncer.

Como a Piscicultura Afeta o Meio Ambiente 

Existem diversas formas pelas quais a piscicultura impacta negativamente o ambiente local. Ambientalistas e ativistas vêm lutando para garantir que as operações de piscicultura tenham uma abordagem mais ambientalmente correta.

O grupo de direitos animais PETA diz que “não dá para ser ambientalista e comer carne de peixe, ponto final. Como a pesca comercial, a aquacultura macula as águas naturais.”

Além de poluir águas naturais e afetar a vida marinha local, a piscicultura impacta negativamente o meio ambiente local de várias outras formas. 

A Piscicultura Compromete o Solo

Nem todos os negócios duram para sempre. Pode haver diversos motivos pelos quais um negócio fecha as portas. O mesmo se aplica à indústria da piscicultura.

Quando um criadouro fecha, independente da razão, deixa para trás um estrago ecológico que pode levar muito tempo para ser recuperado. 

O solo em torno de uma operação de piscicultura vai sofrer um baque. O solo vai ficar hipersalino, ácido e erodido. Devido a esses problemas, o solo vai se tornar basicamente inútil para futuros projetos de agricultura. 

Poluição de Canais e Fornecimento de Água

Como dito anteriormente, a piscicultura usa muitas substâncias químicas no processo de produção. A mistura de fertilizantes, substâncias adicionadas à comida e à água, antibióticos e agrotóxicos pode tornar tóxica a água que escoa dos criadouros de peixes.

Essa água vai chegar até os canais da região e, em dado momento, até o oceano. Além de poluir os ecossistemas marinhos da região, esse escoamento pode chegar até a água armazenada para o consumo humano.

Um estudo mostrou que “cálculos preliminares revelaram que, em um sistema intensivo de aquacultura, três toneladas de água fresca podem ser comparadas, em termos de geração de resíduos, a uma comunidade de aproximadamente 240 habitantes.”

O excesso de comida oferecida aos peixes nos criadouros gera um grande problema, também. Pelo fato de a ração ser cheia de substâncias químicas, isso pode levar à eutrofização e nitrificação dos ecossistemas locais.

Infestação por Piolhos do Mar (e Outras Doenças)

O que acontece em criadouros de peixes pode ter impactos negativos duradouros em populações selvagens de animais marinhos. 

Salmões de cativeiro, por exemplo, são frequentemente infectados com um tipo de piolho do mar chamado Lepeophtheirus salmonis.

Esses piolhos se reproduzem no confinamento dos cativeiros e em habitats marinhos naturais. Isso causa infecções em populações selvagens, morte iminente e potencial extinção das espécies selvagens e nativas de salmão. 

Inclusive, alguns relatórios mostram que criadouros de salmão podem causar infestações parasitárias que minam a capacidade de um ecossistema costeiro de abrigar populações selvagens de salmões. 

A Contaminação Biológica de Introduzir Espécies Exóticas 

Introduzir uma nova espécie em um ecossistema estranho pode causar mudanças catastróficas. Isso foi bem documentado por centenas de anos ao longo de inúmeras ocorrências. 

Uma das histórias mais conhecidas foi a infestação de sapos na Austrália nos anos 1930. Quando descobriu-se que um besouro estava destruindo colheitas de cana de açúcar, eles importaram 102 sapos-cururu de Porto Rico para ajudar a acabar com o problema dos besouros. Esses 102 sapos acabaram virando mais de 1,5 bilhões.

Espécies invasoras como essa podem ter acessos de fúria em novos ecossistemas e contra as espécies que os habitam. 

Alguns dos problemas mais graves em termos de se introduzir espécies de fora em um ambiente novo são o deslocamento de espécies nativas, competição por espaço e comida e transmissão de doenças. 

A Piscicultura é Cruel com os Peixes

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Como todos os animais criados em confinamento, o tratamento e as condições dos peixes estão longe de serem decentes.

Na verdade, devido à falta de regulação, o tratamento dos peixes é até pior.

Como na criação intensiva de animais terrestres, os criadores amontoam o máximo de peixes possível para garantir o máximo de lucros. Além do potencial de espalhar doenças e parasitas em espaços apertados, as chances de ferimentos também aumentam. 

Segundo pesquisa da Royal Society Open Science, as condições em criadouros de peixes podem levar a altos níveis de estresse e depressão nos peixes.

Marco Vindas, líder do estudo, diz que “peixes são capazes de comportamentos complexos e seu sistema cerebral tem muitas semelhanças com o dos mamíferos, incluindo humanos.”

Além das terríveis condições que os tantos peixes são obrigados a passar suas vidas curtas, as diferentes formas pelas quais eles são mortos podem causar dor e sofrimento desnecessário nos animais em seus últimos momentos.

De acordo com a matéria investigativa da Compassion in World Farming, constatou-se que diversos peixes “sofrem mortes lentas e dolorosas por asfixia, esmagamento ou até sendo destripados vivos.”

Ainda mais chocante, a matéria constatou que “robalo e dourado são frequentemente jogados em baldes de gelo sujo, e o gelo entra nas suas guelras e eles têm dificuldade para respirar. Eles podem estar conscientes durante essa provação, e muitos ainda estão vivos quando são colocados em caixas de isopor, prontos para serem vendidos.”

Peixes de Cativeiro x Peixes Selvagens: O Que é Melhor?

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Essa questão pode ser discutida dos dois lados com prós e contras. Mas, no final, a conclusão é clara: ambos são péssimos para a vida marinha.

Então não deveria ser uma questão de um ser melhor do que ou outro, mas um argumento para você evitar os dois. 

As práticas atuais de pesca industrial fazem arrastões pelo oceano e tiram inúmeras vidas para oferecer aos humanos algo que não é necessário para nossa sobrevivência. 

Práticas de piscicultura industrial não só estão matando bilhões de peixes todo ano, mas também envenenando as pessoas e os ecossistemas locais. 

E embora ambas as práticas tenham seus contras em termos de saúde humana e impacto ambiental, uma coisa é certa: consumir peixe é uma escolha pessoal para quem consome uma Dieta Ocidental, não algo necessário para a sobrevivência.

Conclusão

Evitar tanto peixes de cativeiro quanto peixes selvagens é a solução. 

Tornar-se vegano é a melhor forma de mostrar à indústria de alimentos que você não apoia a crueldade, o sofrimento e a matança de seres sencientes.  

E por mais difícil que seja mudar de hábitos, existem inúmeras receitas veganas e vegetarianas por aí que podem te ajudar a matar seu desejo por peixe.

Muita gente vai dizer que não consegue parar de comer sushi e é por isso que não deixa de ser pescetariano para se tornar vegetariano ou vegano.

Mas se você buscar ‘sushi vegano’ no Google, você vai encontrar milhares de resultados. A popularidade está explodindo e os restaurantes japoneses pelo mundo estão incluindo opções veganas em seus cardápios. 

Enquanto isso, enquanto continuamos lutando por uma indústria alimentícia com menos crueldade, a melhor coisa que você pode fazer é evitar peixe de uma forma geral.

Leia também: Seaspiracy e os impactos ambientais da pesca e Santuários de animais: 4 para você conhecer e ajudar

Por Grant Lingel em 18 de maio
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