O aumento no número de alunos veganos e vegetarianos levantou debates sobre opções disponíveis no campus da USP.

Atualmente, mais de 10% da população brasileira se declara vegetariana ou vegana (Ibope). Dados do Ministério da Economia mostram que o número de empresas abertas com “vegano” no nome aumentou 500% nos últimos 10 anos. Atletas e celebridades defendem uma dieta plant-based (à base de plantas).

Cada vez mais pessoas adotam dietas que restringem o consumo de produtos com origem animal. E a USP –com uma comunidade de mais de 100 mil pessoas – não está à parte do crescimento dessa população.

Os Restaurantes Universitários (RU) da USP – conhecidos como “bandejões” – oferecem uma opção vegetariana, o PVT (Proteína Vegana Texturizada). Mesmo com a carne vegetal, são utilizados produtos de origem animal no PVT, como lacticínios, inviabilizando assim o consumo por veganos estritos.

A proteína texturizada de soja passa por processos que garantem seu teor proteico – é descascado, desengordurado e transformado em farelo. A Divisão Alimentar da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento garante o percentual protéico de 10 a 15% em relação ao Valor Calórico de todas as refeições servidas.

Desmistificando o veganismo

Mesmo estudos demonstrando que a alimentação vegana é capaz de suprir as demandas nutricionais e fisiológicas de um humano adulto, muitos equívocos circulam sobre a dieta à base de plantas. “A necessidade de um vegano é a mesma de um onívoro”, diz Slywitch.

“A diferença é quais alimentos se vai utilizar para atingir a necessidade”. Há muitas possibilidades de refeições: “o clássico prato de arroz e feijão, uma sopa, um sanduíche, suco verde, etc”. Um dos mitos mais difundidos sobre o veganismo é que a dieta pode levar ao déficit protéico ou falta de ferro. “Por mais que muitas pessoas tenham medo da falta de proteína, não há nenhum lapso de deficiência protéica em populações vegetarianas ocidentais”, explica Eric Slywitch.

“Quando se monta as calorias de uma dieta, pelo menos 10% delas têm de ser oriundas de proteínas. E praticamente todos os grupos vegetais têm mais de 10% de proteína, exceto açúcar, óleo e outros alimentos ultraprocessados”, responde. “Quando a base da dieta é cereal [média 13% de proteína] e leguminosas [média 25% de proteína] como arroz e feijão, esse percentual já ultrapassa com muita segurança os 10% que a gente precisa”.

Veganismo no papel e na prática

Beatriz Serrano também pensa que a questão social perturba muito o dia-a-dia do vegano. “Mesmo morando em São Paulo e aqui tendo bastante variedade para veganos – muito mais que outros estados – ainda acho um movimento muito mal compreendido pelas pessoas”, opina. “Grande parte acha que é só elitista ou não entende que é um ato político… Tudo isso complica um pouco a convivência com certas pessoas, por exemplo em eventos familiares”.

Beatriz afirma que, na faculdade, convive com mais pessoas vegetarianas e veganas do que em outros espaços que frequenta. A aluna acha que a USP adere à pauta do veganismo devido às opções diárias nos bandejões.

Mas alunos reclamam que, mesmo com a opção vegetariana, alimentos veganos não são disponíveis diariamente, já que o PVT pode conter produtos de origem animal. A administração do RU afirma que o objetivo do prato não é ser estritamente vegano.

Eric Slywitch defende a manutenção do PVT, mas sem adição de produtos derivados de animais. “O que a gente vê é que existe uma questão prática da cozinha; é um produto fácil de estocar, não perecível, fácil de cozinhar e de inserir em várias preparações. Por isso ele acaba sendo muito utilizado em cozinhas de lugares coletivos”. Além disso, o PVT também contém um alto valor protéico e fibra, ferro e cálcio.

Opinião dos alunos da USP

Alguns alunos não pensam que a USP ajuda a tornar o veganismo acessível à comunidade. Laura Braz, estudante de Metereologia, imaginava que morar sozinha ia ajudar a manter o estilo de vida vegana. Quando fez a transição, pesquisou muito sobre opções e começou a cozinhar bastante; mas, com a volta às aulas presenciais, teve que regressar do veganismo para o vegetarianismo. A alegação é que as opções da USP dificultam manter uma dieta plant-based.

Foi a mesma coisa com Ana Beatriz. “Minha decisão para voltar a consumir leite e derivados foi justamente porque iriam voltar as aulas presenciais, e o bandejão não possui opção vegana”, afirma. “Como eu costumo passar a tarde e a noite na USP, ficaria inacessível comprar opções veganas nas lanchonetes dos institutos que possuem tais opções todos os dias”.

De acordo com o bandejão, as preparações do arroz, feijão e saladas não levam ingrediente algum de origem animal em sua composição – já outros pratos (incluindo acompanhamentos, PVT e sobremesas) podem ter ingredientes como ovos, leite ou queijo.

Mudança de quadro

Mesmo muitos alunos reclamando da falta de acessibilidade vegana nos bandejões, algumas mudanças ajudam o dia-a-dia dos veganos da universidade. De acordo com Gabriela Nivoloni: “Em 2016, perto de quando eu entrei, começaram a surgir algumas comidas de pessoas que faziam e vendiam, cookies, coisas assim, sem ser necessariamente de uma lanchonete ou um lugar fixo. Isso me ajudou no processo, acabei até conhecendo pessoas novas porque elas vendiam opção de bolo ou marmita vegana”. Desde então, diferentes lanchonetes começaram a disponibilizar opções veganas. Tarsila Vaz cita a lanchonete Princesas das Saladas e o trailer no complexo do ICB, ambos com opções veganas.

Laura, Gabriela e Ana Beatriz defendem que o PVT do bandejão devia ser vegano e que as lanchonetes deveriam fornecer alternativas plant-based. Foi percebendo essa falta de opções que o Cantinho Vegano surgiu. “Minha mãe trabalhava no começo vendendo balinhas de coco, e os alunos reclamavam que não tinha comida vegana”, afirma Karina, administradora.

“Com eles reclamando que não achavam opções, foram ensinando para minha mãe sobre o estilo de vida vegano, como a coxinha de jaca. Dessa maneira, ela foi aprendendo e se aprimorando”, Karina diz. “Vem gente de todos os prédios – eu trabalho na Geografia e vem gente da veterinária comprar comida vegana. Eles vêm de toda a USP porque sabem que tem comida vegana com preço acessível”.

Por uma USP mais vegana

Gabriela defende não só que seja garantida uma opção de refeição vegana no bandejão, mas que a pauta do veganismo seja trazida à tona e informações levadas para as lanchonetes dos campi. “Faltam debates e discussões sobre veganismo na USP”, diz. “O mais importante de tudo é levantar a pauta do veganismo popular, um veganismo acessível. Em alguns lugares, ele simplesmente não chega”.

Slywitch afirma que deve se esperar um aumento cada vez maior de veganos e vegetarianos. “O produto de origem animal demanda muito espaço, gastos, custos”. O aumento populacional impossibilita o consumo atual. “Isso é uma condição de sobrevivência para a espécie humana. Nossa continuidade alimentar depende dessa direção”.

A Divisão de Alimentação afirma que estuda as reivindicações de seus usuários. “A implantação de preparações veganas nos Restaurantes Universitários está sendo revista e avaliada. Pequenas adaptações do cardápio, para atendimento a usuários que optaram pelo veganismo, já estão sendo feitas”, afirma a instituição. “Outras alterações, como as que envolvem aquisição de gêneros alimentícios, estão sendo avaliadas para inclusão no planejamento. Além disso, está sendo estudada a capacitação dos funcionários operacionais do Restaurante para implementação das preparações veganas”.

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Imagem ilustrativa de capa: Pexels

Por Ana Cristina Gomes em 17 de janeiro
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