Um estudo recente publicado na BMC Medicine acendeu um alerta importante: pessoas que seguem dietas vegetarianas podem ter um risco um pouco maior de desenvolver hipotireoidismo quando comparadas a grandes consumidores de carne – especialmente quando se considera o índice de massa corporal (IMC). A pesquisa não encontrou risco aumentado entre veganos ou pescetarianos quando se analisou apenas os novos casos de hipotireoidismo surgidos durante o acompanhamento. No entanto, entre os pescetarianos, o risco foi maior quando se observou diagnósticos prévios à entrada no estudo.
A expansão das dietas plant-based e seus desafios nutricionais
O crescimento das dietas baseadas em vegetais é uma tendência global impulsionada por motivos éticos, ambientais e de saúde. Os benefícios são amplamente reconhecidos: redução do risco de doenças crônicas, maior longevidade e um impacto ambiental bem menor. Mas, como em qualquer padrão alimentar, também há pontos de atenção.
Um deles é a ingestão de micronutrientes essenciais – como zinco, ferro, selênio, vitamina B12 e, em especial, o iodo. Esse mineral é fundamental para o funcionamento da tireoide, glândula responsável por regular o metabolismo e o equilíbrio hormonal. Sem iodo suficiente, aumentam os riscos de alterações como bócio, formação de nódulos e o próprio hipotireoidismo.
A Organização Mundial da Saúde recomenda uma ingestão diária de 150 microgramas de iodo para adultos. Gestantes e lactantes precisam de ainda mais: cerca de 200 microgramas por dia. No entanto, como o iodo está presente principalmente em alimentos de origem animal, como peixes e laticínios, pessoas que seguem dietas vegetarianas e veganas podem ter dificuldades para alcançar esses níveis sem suplementação adequada.
Além disso, alimentos comuns nas dietas plant-based, como vegetais crucíferos (brócolis, couve-flor, couve) e produtos de soja, contêm compostos que podem interferir na absorção do iodo, o que reforça a necessidade de atenção especial a esse nutriente.
O que o estudo investigou
A pesquisa analisou dados de mais de 466 mil participantes do UK Biobank, um grande banco de dados britânico com informações de saúde e estilo de vida de pessoas entre 40 e 69 anos. Os participantes foram agrupados de acordo com seus padrões alimentares: grandes consumidores de carne, pequenos consumidores de carne, consumidores de aves, pescetarianos, vegetarianos e veganos.
Durante 12 anos de acompanhamento, foram identificados mais de 10 mil novos casos de hipotireoidismo. O risco foi levemente maior entre vegetarianos, mas essa diferença só se tornou evidente quando os dados foram ajustados para o IMC – uma medida de obesidade que também pode estar ligada ao funcionamento da tireoide. Entre veganos e pescetarianos, não houve aumento significativo de novos casos durante o período.
Já ao olhar para os casos de hipotireoidismo que já existiam no início do estudo, os pesquisadores observaram um aumento do risco entre pescetarianos, mesmo após considerar o IMC.
Outro dado que chamou atenção foi a ingestão de iodo: 92% dos veganos, 44% dos vegetarianos e 33% dos consumidores de aves não alcançaram a ingestão mínima recomendada. Isso reforça a hipótese de que a deficiência de iodo pode estar ligada ao aumento de risco.
IMC: fator de confusão ou efeito colateral?
A relação entre dieta, IMC e saúde da tireoide é complexa. O IMC pode funcionar como um fator de confusão (algo que influencia tanto a dieta quanto o risco de hipotireoidismo) ou como um fator de colisão (um efeito do próprio problema de saúde, que acaba interferindo na análise).
Pesquisas anteriores já sugerem que pessoas com hipotireoidismo tendem a ganhar peso com mais facilidade. Assim, é possível que algumas das pessoas com maior IMC já estivessem desenvolvendo problemas de tireoide antes mesmo do diagnóstico. Isso poderia distorcer os resultados do estudo.
Outro ponto relevante: é plausível que algumas pessoas tenham adotado uma dieta vegetariana ou vegana justamente por estarem lidando com sintomas como fadiga ou ganho de peso, comuns no hipotireoidismo precoce. Essa hipótese, chamada de causalidade reversa, também não pode ser descartada.
O que isso significa para quem segue uma dieta plant-based?
A principal conclusão é que a diferença no risco de hipotireoidismo entre vegetarianos e grandes consumidores de carne é pequena, e depende de fatores como IMC e ingestão de iodo. Ainda assim, o estudo reforça a importância de uma nutrição balanceada para quem adota dietas baseadas em vegetais.
Mesmo que o risco não seja alarmante, garantir níveis adequados de iodo é uma medida preventiva simples e eficaz. Isso pode ser feito por meio de alimentos fortificados, sal iodado (desde que consumido com moderação) ou suplementos específicos, sempre com orientação profissional.
Por fim, os pesquisadores destacam que o estudo é observacional – ou seja, ele identifica associações, mas não prova causa e efeito. Ainda são necessárias novas pesquisas, com dados mais completos sobre o estado da tireoide e o consumo de iodo antes do diagnóstico, para entender melhor essa relação.
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