Durante anos, a relação entre ambientalistas, veganos e produtores rurais foi marcada por tensões. E não é para menos: segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a pecuária responde por 32% das emissões globais de metano, contribuindo para a mudança climática, prejudicando a qualidade do ar e afetando a saúde pública. Isso, somado ao enorme consumo de água exigido pela criação de animais, intensificou ainda mais o conflito entre esses mundos. Embora seja inegável que sem agricultores a sociedade literalmente não funciona, a agricultura continua sendo uma das atividades menos reconhecidas — e muitas vezes injustamente apontada como vilã.
Mas os tempos estão mudando. Veganismo, hoje, vai muito além do prato: é um posicionamento de vida. Consumidores conscientes têm rejeitado o fast fashion e buscado marcas e produtos alinhados com valores éticos e sustentáveis. O movimento pela circularidade é um exemplo disso — o mercado global de roupas de segunda mão, avaliado em US$ 196 bilhões em 2023, deve triplicar até 2031. O impacto cultural dessa mudança também já se faz sentir: no Reino Unido, o programa “Love Island” trocou os patrocínios de marcas tradicionais por uma parceria exclusiva com o eBay, incentivando o consumo de roupas reutilizadas. O resultado? Um salto de 7.000% na busca por peças de segunda mão na plataforma.
No entanto, um problema persiste: boa parte dos materiais chamados “veganos” ainda são derivados do petróleo — o que levanta dúvidas sobre seu real impacto ambiental. É nesse ponto que entram as inovações plant-based e tecnologia. Novos biomateriais estão emergindo como alternativas viáveis, éticas e muito mais sustentáveis. E, de forma inesperada, estão criando uma nova ponte entre a moda e o campo.
Agricultura e moda: uma nova conexão
À medida que essas soluções ganham força, a indústria da moda vem se movimentando com agilidade. Um exemplo simbólico foi a colaboração entre Stella McCartney e a Veuve Clicquot para desenvolver um “couro” feito a partir de resíduos da produção de vinho. Outros nomes da moda têm apostado em bolsas feitas de couro de cacto, maçã e até cogumelos. E empresas como a Jaguar Land Rover estão explorando biomateriais à base de grãos para o revestimento de seus veículos. Nesse caso, a estrutura fibrosa do material é criada combinando proteínas vegetais com outros componentes biológicos, substituindo o colágeno animal e entregando textura e durabilidade comparáveis ao couro tradicional.
E onde os agricultores entram nessa equação?
Eles são peças-chave para que esse novo mercado ganhe escala. Tradicionalmente voltados para commodities com margens apertadas — muitas vezes destinadas à pecuária —, agricultores agora têm a chance de se conectar com fabricantes de biomateriais e fornecer insumos para produtos de alto valor agregado. Ao participar desse ecossistema, os produtores rurais não só diversificam suas fontes de renda como também passam a integrar uma cadeia de valor sustentável e de prestígio, inclusive no mercado de luxo.
Redefinindo o papel dos agricultores na sustentabilidade
Vindo de uma família com raízes no campo, conheço de perto os desafios diários enfrentados por quem vive da terra. Continuo acreditando na defesa dos direitos dos animais, mas também compreendo a importância vital do trabalho agrícola para o equilíbrio da sociedade. A mudança que buscamos na relação com o meio ambiente não será possível sem o engajamento do campo.
A boa notícia é que essa virada já começou. Ao se envolverem com a produção de biomateriais sustentáveis, os agricultores podem não apenas adaptar seus negócios às exigências do futuro, mas também rebater críticas ambientais com dados concretos. Eles passam a fazer parte ativa da solução — reduzindo impactos, gerando valor e contribuindo para um futuro climático mais estável.
Quando a moda e o campo caminham juntos
Para investidores, essa convergência entre moda, agricultura e sustentabilidade representa uma oportunidade promissora. A demanda crescente por produtos ecológicos e as margens atraentes do setor de luxo tornam o investimento em biomateriais uma decisão estratégica.
A ascensão da moda vegana de nova geração está abrindo caminho para colaborações improváveis, mas poderosas. Ao aproximar marcas, agricultores e inovadores da sustentabilidade, estamos diante de uma chance real de transformar práticas e criar uma cadeia produtiva que funcione para todos — inclusive para o planeta.
Neste novo cenário, todos ganham: marcas têm acesso a materiais inovadores e responsáveis, produtores rurais ampliam seu protagonismo e a sustentabilidade deixa de ser apenas um conceito — passa a ser prática. E essa é uma transformação que vale a pena vestir.
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