Um estudo inovador conduzido pela equipe de pesquisadoras da Embrapa Alimentos no Rio de Janeiro, recentemente publicado, revelou o desenvolvimento de um concentrado proteico a partir do feijão carioca. Esse novo ingrediente poderia ser apelidado de ‘bean protein’ (proteína do feijão), em uma alusão ao ‘whey protein,’ que é derivado do soro do leite.

Com quase 80 gramas de proteína a cada 100 gramas de feijão, o que equivale a cerca de 80% de sua composição, esse ingrediente oferece a possibilidade de enriquecer o teor de proteína em alimentos à base de vegetais que se assemelham a produtos de origem animal, como hambúrgueres, empanados, salsichas, linguiças, leites vegetais e iogurtes. Além disso, o concentrado proteico também pode ser utilizado na produção de pães, bebidas e suplementos alimentares. O estudo recebeu apoio da Embrapa e do Programa de Incentivo à Pesquisa do GFI (The Good Food Institute).

O principal objetivo da pesquisa foi obter um ingrediente proteico de alta qualidade, com matéria-prima nacional. “Começamos a desenvolver o projeto em 2019, quando ninguém no Brasil ainda pensava na proteína do feijão”, afirma Caroline Mellinger, pesquisadora da Embrapa. “Passamos pela interrupção causada pela pandemia e agora, em 2023, entregamos um insumo inovador, com características competitivas em relação aos ingredientes disponíveis no mercado e com potencial para produção nacional. Entendemos que estamos sendo pioneiros nessa tecnologia e estamos muito felizes em fazer parte dessa história.”

A pesquisadora Janice Lima, que também participou do estudo, destaca que, ao escolher um alimento nas prateleiras do supermercado, é interessante para o consumidor saber que ele contém proteína de feijão. “Essa proteína de feijão pode substituir a proteína de ervilha, que é majoritariamente importada e amplamente usada atualmente. Portanto, estamos trabalhando com uma matéria-prima de origem nacional, com a qual todos estão familiarizados”, afirma Janice. “Assim, o concentrado de feijão atua como um substituto de ingredientes importados e também da proteína de soja, que pode ser produzida no Brasil, mas que alguns consumidores optam por não adquirir.”

O projeto surgiu devido ao aumento na oferta de produtos à base de plantas, conhecidos como “plant-based,” que buscam imitar produtos de origem animal, como hambúrgueres vegetais, entre outros. “O fato de o feijão ser uma das leguminosas mais representativas do país influenciou a ideia de obter um concentrado proteico de uma leguminosa que não fosse a soja ou a ervilha. Como o Brasil produz uma grande quantidade de feijão, inclusive para exportação, consideramos que essa matéria-prima é ideal para a obtenção desses concentrados proteicos,” explica Janice.

Um dos destaques desse novo ingrediente é que ele mantém os aminoácidos essenciais presentes no grão de feijão. Esses aminoácidos são as moléculas que compõem as proteínas no organismo. Dos 20 aminoácidos formadores de proteínas, nove são chamados essenciais, pois o corpo não os produz naturalmente e, portanto, é necessário obtê-los por meio da alimentação ou suplementação.

Mercado de proteínas alternativas em crescimento no Brasil

Segundo Graziele Karatay, especialista em ciência e tecnologia do GFI no Brasil, o projeto desenvolvido pela Embrapa é de grande importância para o setor, pois oferece uma nova fonte de ingrediente de origem nacional para a indústria de produtos plant-based. “É importante destacar que, inicialmente, um novo ingrediente pode ser mais caro em comparação aos tradicionais, como soja e ervilha, já disponíveis no mercado, devido ao baixo volume de produção. No entanto, estudos de escala podem tornar o produto competitivo, inclusive com oportunidades de exportação,” afirma Karatay. “O mercado de proteínas alternativas no Brasil vem crescendo a cada ano, demonstrando todo o seu potencial.”

Janice acrescenta que as indústrias que já produzem concentrado proteico de soja por meio de processos úmidos têm o potencial para produzir o concentrado proteico de feijão.

Isso ocorre porque a linha de produção, composta por máquinas e equipamentos, é basicamente a mesma, com mudanças apenas nas condições de processo, como os valores de pH para a extração e precipitação das proteínas, a temperatura do processo e a proporção entre matéria-prima e água para obter os concentrados.

Aproveitamento de resíduos

A pesquisa também investigou o aproveitamento dos resíduos gerados na extração da proteína dos grãos de feijão carioca. Melicia Galdeano, pesquisadora responsável pelos estudos, explica que o objetivo foi otimizar o uso desse material, seguindo práticas de economia circular, um processo cíclico que fecha todas as cadeias. “É muito importante destacar que são tecnologias com menor impacto ambiental, sem o uso de reagentes químicos,” enfatiza.

Como resultado, foi possível obter três ingredientes com potencial de aplicação em produtos processados a partir dos resíduos resultantes da extração da proteína. O primeiro ingrediente, mais robusto, apresentou 30% de fibra, utilizando uma rota tecnológica mais simples, sem a necessidade de fracionamento. Esse ingrediente tem as mesmas aplicações dos farelos de cereais, como milho, trigo e arroz, que possuem um teor de fibra interessante, além de outros componentes, incluindo o amido.

O segundo ingrediente é o amido do feijão, com uma pureza de 91%, obtido por purificação com água e sem o uso de reagentes químicos. Os estudos para caracterizar esse amido estão em andamento e devem ser concluídos em 2023. “No momento, o amido de feijão e de outras leguminosas não é muito utilizado. No entanto, com os resultados preliminares das análises, estamos observando o potencial de aplicação em produtos de panificação, como biscoitos, brownies, massa de tortas, entre outros”, observa Galdeano.

O terceiro ingrediente resultou da extração da proteína e do amido do feijão, com um teor de fibra de 64%. “Essa quantidade é muito interessante, e a fibra avaliada tem a capacidade de reter cinco vezes o seu peso em água, o que é uma característica muito desejada pela indústria de alimentos”, explica a pesquisadora.

Ela destaca que esses ingredientes agregam valor com processos de produção mais simples, que utilizam principalmente água como solvente. “Por serem menos prejudiciais ao meio ambiente, refletem uma imagem positiva para os consumidores”, afirma.

Leia tudo que você precisa saber sobre proteína vegetal em pó.

Por Christian 'Crica' Wolthers em 3 de novembro
Faça parte da comunidade da Vegan Business no WhatsApp: Notícias | Investidores