Você conhece o projeto 80.000 hours? Ele foi criado pelo Benjamin Todd e William MacAskill e, originalmente, incubado pelo Centre for Effective Altruism (Centro para o Altruísmo Eficaz). Aqui no Brasil existe uma tradução do site original, organizada com trabalho voluntário da equipe Altruísmo Eficaz Brasil e outros colaboradores.
No blog do site brasileiro, existem colaborações de Leandro Franz (no instagram: @leandro.franz), um “economista, escritor e wannabe vegano”, que já criou livros como “A Pequena Princesa” (Ed. Letramento), “No Útero de Paulo, o Embrião não Nascerá” (Ed. Penalux) e “Por toda vida, Carolina” (e-book Amazon), e até vendeu uma série para a TV.
Foto de Leandro Franz: Arquivo Pessoal do escritor
A relação do trabalho com o altruísmo eficaz
O nome 80 mil horas é uma referência ao tempo médio que uma pessoa trabalhará durante a vida. Além disso, conforme explicou Leandro, altruísmo eficaz é: “Tanto uma ideia como um movimento social que usa da evidência e da razão para determinar os modos mais eficazes de resolver os maiores problemas do mundo”.
Na página existe um Guia de Carreiras — baseado em cinco anos de pesquisa produzida em conjunto com acadêmicos de Oxford — Leandro contou que uma das maneiras de conseguir um alto impacto é orientando melhor os estudantes e pessoas no início da carreira profissional, direcionando eles para os grandes problemas da sociedade.
O escritor explicou: “Ao escolher bem a carreira, a vida fica mais gratificante e dotada de sentido. Uma das melhores maneiras para alcançar satisfação com a carreira é se dedicar a temas relevantes para a sociedade, a trabalhos que busquem resolver os maiores e mais urgentes problemas do mundo. É isso que o projeto 80.000 horas se propõe. Ser um guia de carreiras baseado em evidências, que concilie suas aptidões e vontades com fazer o maior bem possível”.
Como o veganismo se enquadra no altruísmo eficaz?
Você pode estar se perguntando “O que o altruísmo eficaz tem a ver com o veganismo?”. Como apontado, o altruísmo eficaz procura entender os maiores problemas do mundo e encontrar as melhores maneiras de solucioná-los.
Leandro explicou a gravidade do abate: “A cada ano, 50 bilhões de animais são criados e abatidos no mundo todo. Mais de um bilhão de animais encontram-se neste momento em sistema de criação intensiva nos Estados Unidos. A grande maioria deles experimenta níveis gravíssimos de sofrimento. E um problema tão grande como esse é negligenciado em relação à sua escala — menos de US$ 20 milhões por ano são gastos tentando resolvê-lo”.
Ele continuou: “Quando um grande problema recebe pouca atenção é que você terá mais impacto tentando resolvê-lo. Esse parece ser o caso dos animais das fazendas industriais. Promover o veganismo (e tentar trazer vegetarianos para o veganismo) é um dos caminhos eficazes para começar a mudar essa realidade”.
Outra coisa que destacou é que é necessário termos pelo menos 5% a 10% de veganos para influenciarmos todas as indústrias e serviços, assim, os estabelecimentos oferecerão mais opções veganas: “Com a indústria ‘facilitando’ a vida dos 10% de veganos, mais os custos caem e mais pessoas podem ficar curiosas a praticar o veganismo”.
A decisão de mudar a dieta e o estilo de vida
Leandro se define como um wannabe vegano (em inglês, isso quer dizer um aspirante), oferecendo várias dicas úteis para quem também deseja adotar esse estilo de vida e proteger o meio ambiente e os animais.
Ele contou: “Nunca fui ‘contra’ o veganismo, sempre dizia que era um caminho legal para quem conseguisse seguir. Eu insistia que nunca conseguiria. Aí, aos poucos, fui conhecendo alguns influencers veganos e, a partir de vídeos que compartilhavam, me conectei com todo o sofrimento animal que ignoramos”.
Após ver uma cena de abate violenta, Leandro tomou a decisão de se tornar vegano: “Busquei outros vídeos e descobri que também não existe abate humanizado, o cenário da morte ali não melhora muito”.
Ele criou uma estratégia para facilitar sua transição: “Passei duas semanas vendo documentários veganos e muitos vídeos da produção de carne, ovo, leite… As cenas agora ficam na cabeça e ajudam a frear o vício. No primeiro mês foi mais difícil. Ainda tenho vontade de comer, mas as cenas voltam na hora”.
Também ressaltou que a estratégia que desenvolveu facilitou o salto direto para o veganismo: “Não consigo ver menos crueldade na produção de ovos e leite do que na produção de carne. Aliás, a tortura que as galinhas poedeiras e as vacas-leiteiras sofrem me parece ainda mais terrível do que a vida que o boi leva. A vida da vaca é uma sequência de estupros anuais, sequestro e assassinato de seus filhos e opressão três vezes ao dia com roubo do seu leite (que iria para o filho sequestrado)”.
Conselhos para fazer a transição para o veganismo
Se você também está em transição para o veganismo, pode ser mais fácil receber conselhos de quem também está mudando o estilo de vida e a dieta. É muito provável que a pessoa compreenda grande parte do que você está passando.
Leandro tem ótimos conselhos para você. Veja abaixo as ideias que ele escreveu:
1# Visitem um santuário de animais resgatados, fui na semana passada pela primeira vez. Foi um dia bastante intenso em meio a mais de 120 animais, muitos deles sobreviventes de matadouros e outros com graves casos de violência.
2# Se você consegue repensar seu cardápio com mais produtos naturais e não processados, acaba gastando muito menos no supermercado. Todas as proteínas vegetais na feira são mais baratas que as proteínas animais. Os produtos industrializados (e práticos para o dia a dia) ainda são caros, mas estão ficando cada vez mais acessíveis com novas empresas no mercado.
3# Vejam vídeos [de produção de carne, ovo, leite…] de vez em quando. É difícil e intenso, mas essa conexão é essencial para você saber que está no caminho certo e não repensar sua decisão.
4# Sigam influencers veganos. Você vai ver que existem milhões de comidas muito boas só compostas de vegetais. Ajuda a ficar mais criativo na cozinha também.
5# Considere abandonar primeiro o leite e seus derivados (queijo, iogurtes, etc). A vaca sofre muito mais que o boi.
6# Escolha imediatamente só um animal para deixar de comer. Coloque-o no mesmo rol de respeito ético que já colocamos os cães e gatos. Não comemos eles e nem conseguimos ver cena de pessoas comendo cachorro à pururuca na Ásia, né? Escolha um e você vai ver que, após um ou dois meses, nem faz mais falta.
7# Não brigue com amigos e família. Cada um vai no seu tempo. Provavelmente não veremos um mundo totalmente vegano nos próximos 50 a 100 anos. Tente inspirá-los pelo exemplo e, claro, acolhendo quem se mostrar curioso. A curiosidade vinda da própria pessoa é o maior motivador para a mudança.
8# Não tente fazer churrasco de vegetais no início. Eu ainda nem gosto. Fui em um churrasco com amigos e iria entrar em depressão sem comer carne. Ainda tenho esse vício e ainda estou em transição. Faz 3 meses que tenho comido carne 1 vez por mês. Para o churrasco, levei alguns hambúrgueres e linguiças vegetais, dessas mais junk food mesmo, e ficou sensacional. Não deu vontade alguma de comer carne e minha transição vegana não virou a pauta das conversas.
Se você optar por seguir a dica seis e escolher um animal para deixar de comer, Leandro sugere o porco: “Ele é um dos que mais sofrem durante a vida até o abate. As porcas sofrem mais ainda. Muita gente já come pouco porco e, quando come, são nos formatos menos saudáveis (bacon, salame, presunto, etc.)”.
Ele comentou sobre o abate: “Imagina o sofrimento deles enjaulados em celas superlotadas, levando choques durante a vida inteira, tendo seus rabos e dentes cortados sem anestesia e morrendo em uma câmara de gás que queima seus olhos e ouvidos por vários minutos até ele não aguentar mais. Aliás, é só o jeito mais ‘humanizado’ de matar porco”.
Conteúdo cultural e produtos industrializados
Se você acessar a categoria “Diário de um wannabe vegano”, nome de sua coluna no blog 80 mil horas, poderá perceber que Leandro tem um jeito diferente de se conectar com o público.
Aqui você poderá ver títulos como: “Toda música brasileira é vegana”, “Toda filosofia (de verdade) é vegana”, e “Toda arte é vegana, sabia?”, fazendo conexões com o veganismo e a cultura.
“Acabo me divertindo fazendo alguns posts mais conectados com a cultura, como se vivêssemos em um mundo muito mais vegano do que parece. Os posts sobre cinema e literatura vegana fizeram bastante sucesso. Ninguém desconfiava que as séries Friends e Game of Thrones eram veganas”, o escritor comentou.
Ele contou: “No fundo, é basicamente essa a mensagem: todo mundo já é mais vegano do que imagina. Ninguém aguenta ver duas semanas de vídeos da produção de carne ou leite. Quase ninguém aguenta ver nem dois minutos dessas cenas, né? Todos temos compaixão. As pessoas só estão em ritmos diferentes, ainda não perceberam que estão reféns de um vício alimentar e cultural muito mais violento que imaginam”.
Também acrescentou: “Mesmo os vegetarianos ainda não perceberam a violência da indústria do leite e do ovo. Se todos parassem para assistir a uma semana de imagens reais, sem edição, sem narração, apenas os bastidores dessa indústria, acredito que a maioria não hesitaria em experimentar o veganismo”
Mesmo assim, ele afirmou haver uma necessidade no mercado por produtos industrializados mais acessíveis, assim, a maioria poderia experimentar o veganismo de forma mais fácil: “Eu tenho cozinhado bastante, mas é um grande esforço aprender um novo mundo de receitas do zero. Nem todos possuem esse tempo de reaprendizado, precisam ter uma praticidade maior durante a transição. E, quando saímos à rua, comidas práticas continuam muito caras”.
Inspiração e mensagem de não crueldade animal
Leandro explicou para o Vegan Business como encontra formas criativas para debater esses temas com o público: “Sinto que é só quando a pessoa entende ou assiste às cenas dos bastidores da indústria que ela experimenta um desconforto e, às vezes, reavalia sua relação com os animais. Sempre tento buscar algum trecho de um livro, de um debate ou vídeo e, a partir dali, criar algo provocativo, mas que gere uma curiosidade nas pessoas leitoras. No meio do texto, descrevo algumas cenas de crueldade que fazemos com os animais para criar essa conexão”.
Como conselho para os veganos atingirem mais pessoas com sua mensagem de não crueldade animal, Leandro é enfático sobre não se fechar em uma bolha vegana, nem tampouco brigar com quem come carne.
Ele disse: “Não trate como uma questão pessoal. Não existe um ‘nós contra eles’. O centro da questão não somos nós e nossos egos e individualidades, são os animais. Com todo o carinho e paciência do mundo, fale sempre sobre o veganismo. Curta, frequente e compartilhe negócios veganos. Se alguém se mostrar aberto a ouvir sobre o veganismo, foque em mostrar vídeos da violência que os animais sofrem”.
Por último, o escritor concluiu: “Não seja um vegano mudo. Os animais não humanos precisam da nossa voz. Um vegano mudo não muda o mundo deles”.
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*Imagem de capa: Pexels
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