A Future Cow, uma jovem empresa de biotecnologia baseada em São Paulo, acaba de captar R$ 4,85 milhões para avançar na produção de proteínas lácteas idênticas às de origem animal — mas sem envolver vacas no processo. Utilizando fermentação de precisão, a foodtech quer tornar sua tecnologia escalável e pronta para ser licenciada por grandes indústrias de alimentos.
O valor captado vem de uma combinação de financiamento coletivo e recursos públicos. No início do ano, a empresa atraiu R$ 1,27 milhão via Captable, com a participação de 145 investidores. Apesar de não ter atingido a meta inicial, a startup recebeu posteriormente aportes da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da EMBRAPII (ligada ao CNPEM – Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais).
Com esse novo aporte, a Future Cow já acumula mais de US$ 1,2 milhão em investimentos, considerando também os US$ 150 mil captados durante o programa da Antler em São Paulo e os US$ 200 mil aportados pela Big Idea Ventures, via o fundo New Protein Fund II.
O plano agora é usar os recursos para intensificar os esforços em pesquisa e desenvolvimento, otimizando os processos produtivos com o objetivo de alcançar escala comercial até 2026.
Do laboratório para os tanques industriais
Criada em 2023 pelos empreendedores Leonardo Vieira e Rosana Goldbeck, a Future Cow é uma das poucas startups brasileiras apostando na fermentação de precisão para produzir proteínas de próxima geração.
A tecnologia consiste em utilizar microrganismos — no caso, leveduras — programados digitalmente com sequências genéticas da vaca. Alimentadas com subprodutos agrícolas, essas leveduras fermentam em biorreatores e passam por um processo de filtração e secagem para extrair proteínas bioidênticas ao leite, como caseína, whey e lactoferrina.
Com uma cepa funcional de levedura já desenvolvida, a empresa está agora focada em aumentar a produtividade. “Quanto mais a cepa produz, menor o custo por unidade. Estamos ajustando os processos fermentativos para isso”, explicou Leonardo Vieira, CEO da startup, em entrevista à FAPESP.
A empresa já provou sua tecnologia em tanques de 15 litros e agora inicia testes em volumes de 200, 2.000 e 5.000 litros — passos essenciais antes de chegar à escala comercial. Esses testes estão sendo realizados com suporte do CNPEM, em um programa de aceleração voltado a tecnologias profundas (deep techs).
“O grande gargalo da biotecnologia está na transição do laboratório para ambientes industriais. Cerca de 95% das biotechs falham nesse momento. Mas com a infraestrutura e o apoio técnico que temos no CNPEM, estamos confiantes de que conseguiremos avançar”, destacou Vieira.
Ingrediente para o mercado e visão para o futuro
A Future Cow adota um modelo B2B: sua proposta é fornecer ingredientes para empresas alimentícias e laticínios, e não desenvolver produtos finais próprios. A ideia é que, ao se integrar a linhas já existentes, suas proteínas encontrem menor resistência de mercado e aceleração na adoção.
Segundo Vieira, grandes produtores de laticínios enfrentam limitações de escala com os métodos atuais e enxergam na fermentação de precisão uma evolução natural. “Hoje, não se trata mais de escolher entre animal ou não animal. Já vemos modelos híbridos ganhando força. Se conseguimos oferecer nosso ingrediente para ser combinado com produtos tradicionais, isso pode destravar ganhos de escala importantes.”
Empresas do setor têm sinalizado esse movimento. A gigante neozelandesa Fonterra foi uma das primeiras a apoiar a holandesa Vivici, que já recebeu aprovação para vender whey livre de origem animal nos EUA. Já a francesa Danone criou um hub de biotecnologia com foco em fermentação de precisão para reduzir emissões.
E esse é um ponto central da proposta da Future Cow: sua tecnologia promete reduzir em até 97% as emissões de gases de efeito estufa e em 99% o uso de água em relação à produção tradicional de leite. “Mesmo que a fermentação de precisão não substitua totalmente o leite animal, uma redução de 10% ou 20% na pegada de carbono das grandes indústrias já teria um impacto ambiental considerável”, pontua o CEO.
A empresa já firmou memorandos de entendimento com players do setor, incluindo multinacionais e a líder do mercado nacional. A próxima etapa inclui conseguir a aprovação regulatória da Anvisa — e, ao mesmo tempo, lidar com possíveis barreiras legislativas, como o projeto de lei que tenta proibir a produção e venda de “leite sintético” no Brasil.
Uma janela estratégica para o Brasil
Com a COP acontecendo este ano no Brasil e os olhos do mundo voltados para o impacto da pecuária na Amazônia, a discussão sobre alternativas sustentáveis ganha ainda mais relevância.
Para Vieira, o país tem condições únicas para se destacar nesse novo cenário. “Temos os três insumos essenciais para a fermentação: água, açúcar e energia renovável, em abundância. Nenhum outro país tem essa combinação. Isso nos coloca numa posição estratégica para liderar o futuro da alimentação global.”
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